Nos tornaremos habitantes de uma cidade invisível?

Imagino o dia em que poderemos retornar ao exterior, sair de nossos casulos e reocupar as ruas, praias, parques que, atualmente, estão tão limpas e cheias de outras vidas que não as nossas.

Penso em como estávamos poluindo os mares, o ar, as areias, as áreas verdes e as urbanizadas – enfim, nossas áreas comuns a todos – e em como esse retorno poderia acontecer. 

Gostaria que retornássemos com um cuidado precioso, como quem entra no quarto de um bebe que dorme. Gostaria que cuidássemos de cada canto da cidade, de cada punhado de areia, como se fossem joias preciosas, que não queremos que se arranhem, ou que se rompam. 

Que os animais, que agora se sentem à vontade para circularem pelos ares, mares e terras, não desapareçam com o nosso retorno, que sejamos capazes de respeitá-los e oferece-los alguma tranquilidade e confiança para que possamos conviver no mesmo ambiente.

Imaginando esse retorno, lembrei de Bauci – cidade invisível de Italo Calvino – que não tocava o solo, estava acima das nuvens, sustentada por longas pernas de flamingo. Os habitantes de Bauci raramente eram vistos em terra e havia três suposições para não o fazerem. Eram elas:

“…que odeiam a terra; que a respeitam a ponto de evitar qualquer contato; que a amam da forma que era antes de existirem e com binóculos e telescópios apontados para baixo não se cansam de examinar-la, folha por folha, pedra por pedra, formiga por formiga, contemplando fascinados a própria ausência”. (CALVINO, 1972)

Me observei concordando com a terceira suposição e desejando, de certa forma, que nossa ausência fosse mais permanente, só para poder prolongar a beleza desse território sem humanos.

Ainda que Baucí seja possível e desejada apenas na imaginação, penso que ela possa ser uma bela forma de refletir sobre o impacto individual, coletivo e político de nossas formas de produção, consumo, locomoção e construção de cidades e territórios.

Que sonhemos agora com o retorno que queremos para nossas cidades para que possamos construir coletivamente e solicitar aos nossos representantes formas mais adequadas e sustentáveis de vida para todos os seres.

 

 

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